Safira: "A arte é o que me faz ter esperança de um mundo melhor." // "Art is what makes me hope for a better world."

Safira: "A arte é o que me faz ter esperança de um mundo melhor." // "Art is what makes me hope for a better world."
Safira para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira)

BONI
Qual seu nome, idade e como você se identifica?

SAFIRA
Oi, meu nome é Safira, eu tenho 20 anos, eu me identifico como uma travesti. Moro no Brasil, zona oeste do Rio de Janeiro e eu me descobri como uma travesti há um ano.

A arte é o que me faz ter esperança de um mundo melhor, me faz ter esperança de lugares que serão ocupados pelo meu corpo.

BONI
O que significa para você ser trans no Brasil?

SAFIRA
Ser travesti no Brasil é uma batalha, uma luta constante, todos os dias eu preciso levantar minha cabeça, passar o meu gloss, me arrumar e ir para a rua e bater de frente com essa sociedade que é muito difícil de lidar. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo. Costumo dizer que somos vitoriosas, pois encaramos essas pessoas, encaramos a vida todos os dias, lidando com hormonização, com uma sociedade extremamente cruel.

Safira para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira)

BONI
O que família e comunidade significa para você? E se isso mudou desde que você transicionou.

SAFIRA
Eu costumo falar que família para mim, depois da minha transição, tornou-se algo muito diferente do que eu acreditava ser. Família para mim não tem nada a ver com laços sanguíneos. Hoje em dia eu conheço pessoas que passam pelas mesmas coisas que eu, tem as mesmas vivências, ocupam os mesmos corpos e os mesmos lugares que eu, e isso me trouxe muito amor, me cercou de pessoas que me amam, me aceitam, que não tem vergonha de andar do meu lado. Não sinto nenhum tipo de discriminação sobre o meu corpo quando estou com essas pessoas, elas amam o meu corpo.

Família é amar intensamente outra pessoa, amar verdadeiramente, que é o amor que eu recebo hoje, o amor das minhas amigas e dos meus amigos. Minha mãe que me acolhe diariamente, que tenta me entender, apesar de ela nunca conseguir, porque ela não tem a minha vivência, mas ela se coloca no meu lugar muitas vezes, ela procura me ouvir, procura se abrir. Família é sobre a construção que você cria com outras pessoas.

BONI
Como você se relaciona com arte e cultura no Brasil?

SAFIRA
A arte e a cultura são coisas que me movem, o que eu sou, o meu corpo é feito de arte, o meu corpo travesti é um corpo artístico. Aqui no Brasil costumamos dizer que se uma menina não vai para a prostituição, ela está na arte, porque é o que consegue nos salvar, é o nosso meio de sobrevivência e, por mais difícil que seja ser artista, ainda mais no Brasil, lutamos todos os dias e acreditamos num futuro melhor, porque ninguém consegue sobreviver sem arte.

Eu queria que quem mora fora do Brasil soubesse o quanto lutamos, o quanto a nossa luta é importante, o quanto fazemos para sobreviver aqui e o quanto as coisas são difíceis.

A arte é o que me faz ter esperança de um mundo melhor, me faz ter esperança de lugares que serão ocupados pelo meu corpo. Arte é tudo para mim.

Safira para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira)

BONI
Para você, qual a maior diferença entre se expressar online e na vida real? Tem alguma coisa em comum?

SAFIRA
Eu acho que tem muita diferença entre se expressar ao vivo e se expressar online. Ao vivo é aquela coisa do fogo, do coração palpitar, de você ver a pessoa, de você olhar no olho do outro. Já no online você não tem tanta aproximação, tanto fogo, tanta sagacidade para poder falar e conversar olhando no olho da outra pessoa, então acho que existe sim uma diferença grande.

BONI
E o que você gostaria que as pessoas fora do Brasil soubessem? Sobre o que você quiser falar.

SAFIRA
Eu queria que quem mora fora do Brasil soubesse o quanto lutamos, o quanto a nossa luta é importante, o quanto fazemos para sobreviver aqui e o quanto as coisas são difíceis. Eu quero que saibam que nós não vamos deixar de acreditar num dia melhor, porque temos muita esperança de que um dia tudo pode mudar, tudo pode ser mais leve. O que nos move é a esperança, é acreditar que estamos construindo e invadindo espaços.

Safira para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira)

ENGLISH TRANSLATION FOLLOWS

BONI
What's your name, age, and how do you identify?

SAFIRA
Hi, my name is Safira. I'm 20 years old, and I identify as a travesti*. I live in Brazil, west of Rio de Janeiro, and I discovered myself as a travesti a year ago.

*Travesti is a Brazilian term used to define a part of the trans feminine population in Brazil.

BONI
What does it mean to you to be trans in Brazil?

SAFIRA
Being a travesti in Brazil is a battle. It's a constant struggle. Every day I have to lift my head, apply my gloss, get ready, and go out on the street and face this very difficult society. Brazil is the country that kills the most trans women and travestis in the world. I usually say that we are victorious because we face these people. We face life daily, dealing with hormones and an extremely cruel society.

Safira for The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)

BONI
What does family and community mean to you? And if that has changed since you transitioned.

We believe in a better future because no one can survive without art.

SAFIRA
I usually say that family for me, after my transition, became very different from what I believed. Family, for me, has nothing to do with blood ties. Nowadays, I meet people who go through the same things as me, have the same experiences, occupy the same bodies and places as me, and bring me a lot of love. My life became filled with people who love and accept me and are not ashamed to walk by my side. I don't feel discrimination about my body when I'm with these people. They love my body.

Family loves another person intensely. Truly loving is the love I receive today, the love of my friends. My mother welcomes me every day and tries to understand me. Although she never succeeds, she often puts herself in my shoes because she doesn't have my experience. She tries to listen to me and tries to open up. Family is about the relationships you create with other people.

Safira for The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)

BONI
How do you relate to art and culture in Brazil?

SAFIRA
Art and culture are things that move me. They make me who I am. My body is art. My travesti body is art. Here in Brazil, we usually say that if a girl doesn't go into prostitution, she's in art because that manages to save us. It's our means of survival, and no matter how difficult it is to be an artist, even more so in Brazil, we all fight every day. We believe in a better future because no one can survive without art.

I want those who live outside Brazil to know how much we fight, how important our fight is, and how much we do to survive here.

Art is what makes me hope for a better world. It makes me hope for places that my body will occupy. Art is everything to me.

Safira for The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)

BONI
What is the biggest difference between expressing yourself online and in real life? Do they have anything in common?

SAFIRA
There's a lot of difference between expressing yourself in real life and online. In real life, it’s that thing of fire, of the heart palpitating, of seeing a person, of looking into someone’s eyes. On the other hand, online, you don't have so much closeness, fire, or wit to talk and talk while looking into the other person's eyes, so I think there is a big difference.

BONI
And what would you like people outside Brazil to know? About whatever you want to talk about.

SAFIRA
I want those who live outside Brazil to know how much we fight, how important our fight is, and how much we do to survive here. How difficult things are. I want you to know that we will not stop believing in a better day because we are very hopeful that everything can change and be lighter one day. What moves us is hope and belief that we are building and invading spaces.

Safira for The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)

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