Nyara Wassa: "A arte me salvou. A arte me libertou." // "Art saved me. Art freed me. "

Nyara Wassa: "A arte me salvou. A arte me libertou." // "Art saved me. Art freed me. "
Nyara Wassa para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira)

BONI

Fale seu nome, sua idade, com que você trabalha e aproveite para falar um pouco sobre você, e como você se identifica.

NYARA WASSA

Boa noite, meu nome é Nyara Wassa Santana, eu trabalho como designer gráfico, com animação, artes visuais, ilustração e desenho animado. Essa parte visual me cativa, sou apaixonada. Estudo sobre essas coisas, mas o meu trabalho fixo é como designer gráfico.

Estudo tecnologia e artes visuais em geral, também sou cantora. Nesse mês lanço meu primeiro single e é um start para uma série de cinco singles, dando início a minha carreira musical. Estou muito feliz, ansiosa e apreensiva para isso.

Tenho 27 anos. Sou uma mulher afro indígena, moradora de Sepetiba, último bairro da zona oeste do Rio de Janeiro. Sou marginal, sou descentralizada, parto de um lugar que é uma ideia de fora da centralidade do Rio de Janeiro e percebo o mundo a partir dessa forma.

Dei início às artes visuais aos meus 16 anos, quando fiz um curso de comunicação crítica no complexo da Maré e fui abraçada por lá, onde morei por algum tempo. Abri um estúdio de animação chamado Tijolinho com mais 8 pessoas incríveis durante esse tempo. O viés artístico que eu trabalho é a partir do olhar, dessa relação da cisgeneridade com a transgeneridade, eu sendo uma travesti, como é lidar comigo?

Sempre trabalhei com crianças também. Lá no estúdio onde trabalhávamos, entravam crianças da favela e vinham perguntar, entender. Não era só eu, haviam mais 4 travestis e 5 homens cis e como essas pessoas se relacionavam, o que estava acontecendo ali? Foi uma experiência mágica para mim, enriquecedora.

Recentemente eu fiz uma residência artística no MAM, num projeto chamado ANIMAM, que é sobre animação voltado e inspirado em artistas brasileiros. Eu homenageei um artista chamado Rubens Valentim, que é um homem preto de Salvador, com um trabalho baseado em simbologias africanas e do candomblé. Me senti muito feliz e contemplada porque eu também tenho esse processo de pesquisa, de texturas e geometrias tanto africanas quanto indígenas de tecidos, é o meu hobby, pesquisar as geometrias e essa junção de informações e de linhas que levam a desenhos incríveis. Fui chamada exatamente por isso, por esse processo de pesquisa. O resultado está disponível no Instagram e no YouTube do MAM.

Sou uma mulher tranquila, eu sou caseira, eu sou a tia, sou a filha, eu gosto de estar nesse lugar, não da passabilidade ou da cisgeneridade, mas sim num lugar confortável de onde eu nasci, de onde eu vim. Eu saio aqui no bairro com a minha mãe, saio com as minhas sobrinhas, saio de dia, boto a minha cara no sol e é diferente experienciar esse lugar, porque as pessoas estão acostumadas a nos ver à noite, mas eu permeio na favela, no dia a dia, na noite, eu estou em todos os lugares e também me permito isso. Para mim é o mais enriquecedor.

Estou nesse processo de evolução, vamos cantar, vamos gravar, quero ver como vai ser essa repercussão, porque eu falo a partir dos meus sentimentos, das minhas experiências com os bofes e com as monas, também porque eu sou pansexual. Estou num novo momento, de recomeço, de renascimento, tanto artístico quanto profissional, de vida, de fato saindo do casulo, botando a cara sem medo e estamos aí, vamos que vamos.

BONI

Uma mulher tranquila, mas ocupada também. Sempre é ótimo ouvir quando uma mana conversa e fala de um jeito tão trivial da vida, de que as coisas estão funcionando, que a família está junta, que o bairro está junto, acho isso tão gostoso de ouvir. Já estou com o seu Instagram, vou dar uma super olhada, adoro animação e é ótimo saber que tem travestis produzindo assim.

Mulher trans brasileira posando para a edição 02 do The Girls Book (fotografia de Rodrigo Oliveira)
Nyara Wassa para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira)

NYARA WASSA

Nós estamos aí. Está difícil para nós, mas nós fazemos.

BONI

O que significa ser travesti para você dentro do contexto brasileiro?

NYARA WASSA

Para mim, a partir do contexto brasileiro, eu vejo a minha transição como, de fato, um momento de renascimento. Eu sempre fui dona de mim, sempre fui ativa nas minhas coisas, nas minhas vontades, só que eu sempre sentia que tinha algo que precisava crescer e precisava desabrochar em mim. Eu sempre olhava ao redor, eu nunca olhava para mim, eu olhava para o que as pessoas e a minha família iam dizer. Mas depois que entendi, no processo de maturidade, que não importa o que as pessoas vão dizer, eu vi a transição como um momento de liberdade, de ser eu independente do lugar. Em qualquer momento, em qualquer situação, em qualquer relacionamento, me permitir, me experimentar.

Quando eu olho a partir da vida que eu tinha em um corpo cisgênero, eu entendo que fui deslocada para outro lugar, porque até então eu tinha algumas passabilidades e isso tudo foi embora. As crianças, por exemplo, que são um público que eu adoro trabalhar, às vezes nos ridicularizam a partir do que eles ouvem dos mais velhos. Então quando comecei a transição foi muito difícil porque as crianças que já se relacionavam comigo riam de mim. As pessoas do meu bairro também cochichavam sobre mim e isso me magoou muito, pois isso era o que eu tinha medo de que acontecesse.

E querendo vencer essas barreiras, eu entendo que, ser travesti no Brasil é ser o que o outro acha de você porque quando eu estou passando na rua, com meu bom shortinho curto carioca, para as pessoas eu não sou uma mulher estudada, inteligente, que tenho família, que sou educada, que eu tenho gostos; para as pessoas eu sou só sexo, eu sou assediada constantemente e as pessoas conversam comigo só nesse viés sexual, como se nós vivêssemos só nesse mundo, nessa ideia de carências, de falta, sendo que a gente tem muito para oferecer, e estamos em todos os lugares.

Em cada bairro a travestilidade é diferente. Eu sou carioca, eu vejo o mundo a partir dessa ideia que é o Rio, que é muito muito muito intenso. Como eu moro no final da zona oeste, eu tenho que me deslocar pela zona oeste, zona norte e o centro do Rio para chegar na zona Sul e cada lugar é uma experiência diferente. Por exemplo, na zona Sul tem mulheres travestis que já estão lá vivendo e prosperando. No Centro, que é um ponto onde todas as pessoas se encontram, também tem travestis ali, e as pessoas entendem que tenha travesti prostituta e, ao mesmo tempo, tenha a travesti PhD. E na zona oeste e na zona norte já é aquele lugar de sermos mais marginalizadas, porque não há acesso e por sofrermos vários problemas, muitas manas não saem na rua.

Abriu muito a minha mente quando eu comecei a frequentar São Paulo, porque vi outras travestis ali presentes, sendo sem medo de ser. Ser travesti no Brasil para mim é ser foda, ser muito foda. Admiro várias travestis e trans de outros lugares, mas as brasileiras são as minhas queridas, porque as manas estão aí fazendo com pouco e estão fazendo melhor do que muita gente, as manas fazem com muito apreço, com muito vigor, e isso para mim é inspiração. Eu acompanho a geração Z, não faço parte dela, mas é incrível ver como as coisas mudaram, como tem travesti namorando, com relacionamento na internet, etc., na idade dela eu nunca me vi nesse lugar. E como estamos galgando, gritando e falando “é isso gata, vai aceitar sim, vai engolir sim, tem homem de buceta e tem mulher de pau, aceite você se quiser ou não.”

Eu não quero ser, eu não estou tentando ser, não estou fingindo ser, eu sou e ponto. I am, já dizia Beyoncé.

BONI

Para você, o que significa família e comunidade e se esses dois conceitos mudaram desde que você passou a se identificar como travesti.

NYARA WASSA

No meu bairro eu sempre fui aquela criança que não interagia com as outras, bem caseira, saía para algum lugar e voltava, não tinha muito convívio com as pessoas do meu bairro. E quando tinha, saía lesionada, cheia de traumas porque eu era diferente, não agia como os meninos diziam que eu tinha que agir. Então eu cresci como uma incógnita para as pessoas do meu bairro. Já mais velha, saí de casa com 18 anos pra viver a minha vida, começo meu processo de transição e volto - hoje eu moro de novo aqui - e é um outro momento, porque sou tipo uma atração na rua, eu saio e as pessoas querem me ver, querem ver qual é a próxima roupa que eu vou usar, qual o cabelo que estou e eu me sinto uma celebridade sem ser. Muitas meninas sentem isso também, porque a gente é extremamente visada, extremamente reparada.

Essa vida em comunidade aqui me fez entender que independente do que eu faça em mim, nada vai mudar a opinião das pessoas sobre mim, então quanto menos eu quiser mudar a opinião das pessoas, mais eu sou eu. As pessoas do meu bairro não sabem com o que eu trabalho, por exemplo. Para elas eu trabalho com prostituição e não que haja algum problema com isso, mas não faço questão de mudar a opinião delas sobre isso. Se você acha isso, que bom que você acha isso.

Mulher trans brasileira posando para a edição 02 do The Girls Book (fotografia de Rodrigo Oliveira)
Nyara Wassa para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira)

Já com a minha família foi um processo de retomada, eu tive que lutar pela relação, porque quando eu me entendi travesti e disse isso para minha família, a primeira coisa que minha mãe diz é que eu mataria meu pai com essa informação. Meu irmão, super nervoso por conta da masculinidade dele, que não tem a ver comigo, mas ele ficou nervoso porque não queria ser zuado e nem que associassem a pessoa dele a mim. Foi um lugar de exigir respeito, mostrar que eu ainda era, não a mesma, mas eu ainda era a irmã e a filha. Eu virei um monstro na minha casa, alguém que as pessoas não conheciam, bem diferente do que eu já fui. Tive que mostrar para as pessoas de novo que eu ainda tinha educação, que eu ainda era a mesma pessoa, que eu não era promíscua, etc. Hoje me tratam como eu devo ser tratada, pelo meu irmão, pela minha mãe, algumas pessoas do meu bairro, minhas amizades.

Graças a Deus, cada vez mais eu tenho ficado confortável com as minhas relações por conta desse lugar de luta, pois eu lutei por isso. Não foi fácil, as pessoas não chegaram e disseram que iriam me entender. Perdi vários amigos, perdi várias relações, perdi vários namorados, perdi várias namoradas porque quando você não corresponde à expectativa dos outros, as pessoas mostram que estão frustradas com você por conta disso. Nas minhas relações com as pessoas, cada vez mais eu descubro que eu posso ser enquanto eu sou, e essas pessoas entendem isso. Eu não quero ser, eu não estou tentando ser, não estou fingindo ser, eu sou e ponto. I am, já dizia Beyoncé.

BONI

É incrível como realmente a gente, para os outros, vira outra pessoa, sendo que a gente só está ficando mais bonita...

NYARA WASSA

Mais bonita, mais querida, mais gostosa...

BONI

Mais centralizada em si, mais pé no chão. Você já falou um pouco, mas como essa é uma relação muito importante, como você se vê em relação à cultura e arte, quanto à produção, quanto o que consumir

NYARA WASSA

Sempre me vi artista, sempre fui de falar, de agir, de pegar, de mostrar. No meu processo de adolescência foi como voltar para o casulo e falar: “Calma, não sei se consigo tanto assim”. Sempre quis ser cantora, intérprete e sempre falava para minha mãe que queria trabalhar com imagem, vídeo e som. Quando eu tinha 13 anos comecei a estudar design gráfico, computação e me insiro nesse olhar crítico e artístico e começo a me experimentar enquanto artista digital.

eu sempre aparecia com o cabelo pronto, sempre queria estar pronta, linda, perfeita e eu estou fugindo um pouco dessa perfeição agora.

Meu ciclo começou a ser esse. Entender hoje que eu sou uma mulher travesti, afro-indígena, carioca, descentralizada, que trabalha com arte e que a minha visão de mundo é importante, deixa o meu trabalho cada vez mais rico, seja ele musical, digital ou nas artes plásticas. Estou tentando também ser mais solta para ser digital influencer, e poder mostrar o meu jeito de ser.

A arte me salvou, porque a maioria das travestis que conheci foi a partir da arte. A arte me libertou, a arte me trouxe pessoas que viam o mundo um pouco mais próximo do meu. Porque no meu bairro eu era a única artista que desenhava desde cedo. Então as pessoas diziam que eu tinha jeito para isso, “porque você não trabalha com isso, você deveria ser artista”. Eu cantava e as pessoas diziam que eu deveria ser artista. Então eu era uma pessoa que tinha potencial para isso, mas ficava ali, descentralizada.

Mulher trans brasileira posando para a edição 02 do The Girls Book (fotografia de Rodrigo Oliveira)
Nyara Wassa para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira)

Entendemos que o Rio de Janeiro acontece no centro do Rio. Quem não faz parte e não está centralizado nos eventos e nas coisas, não tem o mesmo acesso que as outras pessoas. Quando eu comecei a entender esse lugar de network, porque tem você ser artista e tem você ser profissional, comunicadora, empreendedora e trabalhar com as pessoas a partir de um ponto estratégico. Eu comecei a entender essas relações com as pessoas. Como eu vim de um bairro pequeno, na minha cabeça, todo mundo era meu amigo. Depois eu entendi que tem pessoas que são relações profissionais, tem pessoas que são relações pessoais e que cada relação me leva para um lugar, um viés e a maioria deles me levavam para um lugar artístico, para o lugar da produção musical, do videoclipe, do styling, e vários outros lugares dentro da arte.

BONI

Tudo em volta indica, não tem como não ser esse o caminho. Eu boto muita fé nesse sentimento.

Qual você acha que é a maior diferença entre se expressar online e ao vivo, e se existe alguma coisa em comum nesses dois universos que estamos sempre dividindo.

NYARA WASSA

Ao expressar-me ao vivo, eu estou inteira, não tenho medo de falar, de agir, de fazer, adoro fazer caretas, adoro fazer coisas. Quando chega no digital, que começo ver meu vídeo mais de duas vezes, eu já não quero ver mais, começo a achar problema ali, aqui, a harmonização facial que a gente não fez ali, um negócio que a gente não fez aqui. É um julgamento que cada vez mais eu tenho tentado parar, porque, por exemplo, eu usava muito filtro. E eu troco muito de cabelo e eu tinha muitas questões de estar com meu cabelo natural, porque eu sempre aparecia com o cabelo pronto, sempre queria estar pronta, linda, perfeita e eu estou fugindo um pouco dessa perfeição agora.

Eu li um texto esses dias que tinha a ver com Bob Marley em que perguntaram a ele qual era a mulher perfeita, e ele respondeu que nada é perfeito, o mar é lindo, mas é muito salgado, muito escuro, muito profundo; a lua é linda, mas é cheia de crateras, então nada que é perfeito no mundo, é perfeito em si. Eu comecei a entender que eu não preciso ser perfeita, não preciso ser nem parecer cisgênera, e isso tem me libertado e cada vez mais os meus conteúdos, meus tipos de foto, tem sido mais eu. Estou resgatando a Wassa que é no dia a dia, trazendo ela pro digital e tentando não julgar, isso eu deixo para as pessoas, isso já vai acontecer, então eu mesma não quero me julgar mais.

A diferença e a conexão entre essas duas coisas é que queremos estar tão bem com nós mesmas e não ser comparada a outra pessoa.

Primeiro que as travestis brasileiras são foda, somos muito xereca, muito pica, muito cu, e que fazemos muito, com pouco.
Mulher trans brasileira posando para a edição 02 do The Girls Book (fotografia de Rodrigo Oliveira)
Nyara Wassa para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira)

BONI

O que você gostaria que as pessoas fora do Brasil soubessem sobre qualquer coisa, sobre a comunidade, sobre você.

NYARA WASSA

Primeiro que as travestis brasileiras são foda, somos muito xereca, muito pica, muito cu, e que fazemos muito, com pouco. E eu queria que elas soubessem também que eu sou cantora, tenho um álbum para lançar. Que tem travestis brasileiras produzindo, mostrando realidades diferentes. Porque existe a realidade da burguesia da Zona sul e a realidade da travesti do complexo da Maré, qual realidade você quer consumir? Aí fica uma escolha para você. E também quero que a galera saiba que não queremos um gringo para ser feliz, queremos nós mesmas para ser feliz no trabalho, no artístico e com a nossa família. Queremos que a galera consuma a realidade, tente entender e tenha um olhar de mais carinho, não de falta. Estamos produzindo com o que a gente tem e é muito foda o que a gente faz. Se vai chegar para somar, é massa, mas se não, admire o que estamos fazendo e que vamos continuar fazendo com ou sem patrocínio, com ajuda, sem views, com views, porque precisamos viver.

BONI

Eu gostaria muito que você passasse todas as infos: você vai lançar quando os singles?

NYARA WASSA

Meu primeiro single eu lanço agora no finalzinho de abril ou começo de maio, entre os dias 30 e 05 porque vai pelo Spotify, que tem o seu tempo de maturação. Ele se chama “Black Blues”, e eu sou apaixonada por blues. Depois de 15 dias do meu primeiro lançamento, eu lanço meu segundo single, que se chama “Posso Ser” que fala sobre as possibilidades de ser. O terceiro single é “Horas e Horas” que eu falo sobre o relacionamento entre uma mulher travesti e um travequeiro. O quarto single chama-se “Fatalmente”, em que falo sobre a relação complexa de poder que temos com alguns bofes cisgêneros, como se eles estivessem nos fazendo um favor. E minha última música, fala sobre minha transição, sobre mim, chama-se “Radiante”, que é um afro beat bem gostoso para elas.

Só acompanhar lá no Instagram @euwassa.

NYARA WASSA

Inclusive a Kai é maravilhosa. Nós nos encontramos e eu falo pouco inglês, mas usamos o Google Tradutor e a conversa aconteceu, e é isso que achei muito foda. Eu disse a ela que estava na Lapa e que “Vem que vem, quer conhecer o Rio? Se você quer conhecer o Rio você vai ver pelo menos umas manas aqui da zona norte, zona oeste, uma mana preta, uma mana indígena”.

Eu cheguei com ela e todas adoraram ela, conversamos, algumas falando inglês e tinha coisas que ela entendia e ficava assim “Passada!” e quando ela falava isso, todas riam. Ela cativou todo mundo. Eu adorei conhecê-la, porque achamos que outras pessoas de outros lugares não tem esse gingado, esse feeling de vir com calma, que vamos conversar e nos conhecer, se tiver que rolar uma amizade vai rolar, sem interesse, e eu senti muito isso nela.

Eu senti que dentro da personalidade dela, ela viu que o Brasil é conexão, ou você se conecta sendo real ou não. Acho que ela se entendeu nesse lugar, que somos reais, que estamos fazendo acontecer. A mona veio lá de não sei de onde, estou com ela na Lapa, cheia de cracudo, cheia de gente rica, gente pobre, cachorros. E quando vi que ela estava se sentindo confortável, jogamos uma Summer Walker no som, e ela cantando com a gente e eu falei “caralho, é isso!”. A conexão é real, ela pode existir, isso para mim foi muito legal, um adendo que eu precisava contar, Boni. Se vocês estivessem aqui seria mais bonito ainda.

Mulher trans brasileira posando para a edição 02 do The Girls Book (fotografia de Rodrigo Oliveira)
Nyara Wassa para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira)

E fui contemplada quando conheci ela e fui convidada para esse projeto, achei incrível ver as manas nas fotos, todas perfeitas. Quando chegou o dia das fotos, eu fiquei nessa dúvida, tenho minhas próprias laces, isso é um adendo, será que vou com ela? Eu vou montada? Vou meio tranquila? Eu vou brasileira? Do que eu vou? No final vou como me sentir no dia. Aí eu senti que deveria ir natural, com meu black. Daí quando eu cheguei lá, todas as travas de black, todas as travas naturais. Eu achei isso muito lindo porque escolhemos mostrar que somos isso. Somos o close da front lace, mas somos também o blackinho, o cabelo alisado, etc.

Isso foi o que eu mais percebi dentro das nossas relações e também que cada uma das travestis tinha um lugar. Uma era comediante e atriz, a outra cabeleireira, a outra artista visual, outra produtora, cada uma tinha uma personalidade, uma forma de se expressar e deu certo, deu bom, todas se sentiram lindas e seguras. Foi tudo!

English Translation Follows

BONI
Can you let us know your name, age, and what you do for work? Feel free to talk a little about yourself and how you identify.

NYARA WASSA
My name is Nyara Wassa Santana. I work as a graphic designer using animation, visual arts, illustration, and cartoons. I'm captivated by the visual part of my work and study technology and its relationship to visual art.

I'm also a singer. This month I’ll release my first single. It is the beginning of a series of five singles that will kick off my musical career. I am very happy, anxious, and apprehensive about it.

I am 27 years old. I am an afro-indigenous woman living in Sepetiba, the last neighborhood on the west side of Rio de Janeiro. I am marginalized. I am decentralized. I come from a place that is outside of the centrality of Rio de Janeiro, and I perceive the world with that lens.

I started visual arts when I was 16. I took a critical communication course at the Complexo da Maré and became fascinated. I opened an animation studio called Tijolinho along with eight other amazing people during that time. The artistic perspective that I work with is based on the look, on this relationship between cisgender and transgender, me being a travesti*. What is it like to deal with me?

I've worked with children, too. In the studio where we worked, children from the favela would come in and ask questions, trying to understand. It wasn't just me; there were four other travestis and five cis men. How did these people relate to each other? What was going on there? It was a magical, enriching experience for me.

I recently completed an artistic residency at MAM (Museum of Modern Art of Rio de Janeiro) in an ANIMAM project about animation aimed at and inspired by Brazilian artists. I honored an artist called Rubens Valentim, who is a black man from Salvador whose work is based on African and Candomblé symbols. I felt very honored because my research process consists of both African and indigenous textures and the geometries of fabrics. Researching geometries and the combination of information and lines that lead to incredible designs is my hobby. I was chosen specifically for this research process. The result is available on MAM's Instagram and YouTube.

Brazilian trans woman posing The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)
Nyara Wassa for The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)

I'm a chill woman. I'm a home girl. I'm an aunt. I'm a daughter, and I like to be in this place, not in a passable or cisgender one, but in a comfortable place where I was born and where I came from. I go out here in the neighborhood with my mother. I go out with my nieces. I go out during the day. I put my face in the sun. It's different to experience this because people are used to seeing us at night, but I wander in the favela, in the everyday light, at night. I am everywhere, and I allow myself that too. For me, it’s the most enriching thing.

I'm in this process of evolution. Let's sing. Let's record. I want to see what the results will be. I speak from my feelings and my experiences with guys and girls because I'm pansexual. I'm in a new moment. A fresh start. A rebirth of life, artistically and professionally. Coming out of the cocoon and showing my face without fear. We're here. Let's go.

*Travesti is a Brazilian term used to define a part of the trans-feminine population in Brazil.

BONI
A chill but busy woman. It's always great to hear when a sister talks casually about life - that things that are working, the family is together, and the neighborhood is together. That is so nice to hear. I already have your Instagram. I'm going to check out your work. I love animation, and it's great to know that travesti are producing it.

NYARA WASSA
We’re here. It's hard for us, but we do it.

BONI
What does being a travesti mean to you within the Brazilian context?

NYARA WASSA
From the Brazilian context, I see my transition as a moment of rebirth. I always owned myself. I was always active in my desires, but I always felt that something needed to grow and blossom in me. I always looked around, but I never looked at myself. I looked at what people and my family were going to say.

By maturing, I understood that it doesn't matter what people are going to say. I saw transitioning as a moment of freedom, of being myself regardless of the place, time, situation, or relationship. I allow myself to experience myself.

When I look at the life I had in a cisgender body, I understand that I was displaced. I had some passability, but that all went away. I love to work with children, but they sometimes ridicule us based on what they hear from their elders. So when I started transitioning, it was very difficult because the children who already related to me laughed at me. People in my neighborhood also whispered about me, which hurt me a lot because that's what I feared would happen.

In wanting to overcome these barriers, I understood that being a travesti in Brazil is being what others think of you. When I walk down the street wearing my good short shorts, people think I'm not a studied, intelligent woman. Or that I have a family, am educated, and have passions; for people, I'm just sex. I'm constantly harassed, and people talk to me with a sexual bias, as if we only serve that purpose. We have a lot to offer, and we are all around.

In each neighborhood, being a travesti is different. I'm from Rio and see the world through that perspective, which is extremely intense. Since I live at the end of the West Zone, I have to travel through the West Zone, North Zone, and the center of Rio to reach the South Zone. Each place is a different experience.

For example, in the South Zone, some travesti women already live there and are thriving. There are also travestis in the Center, which is where everyone meets. People understand that there are travestis who are prostitutes, and at the same time, there are travestis with PhDs. And in the West and North Zone, we are more marginalized because there is no access to safe places. We suffer from various problems, so many sisters do not go out on the streets.

It opened my mind a lot when I started going to São Paulo because I saw other travestis existing there without being afraid to be themselves. To be a travesti in Brazil, for me, is to be badass. I admire many travestis and trans people from other places, but the Brazilian ones are my favorites.

My sisters are doing it with little and are doing it better than many people. The dolls do it with great appreciation, with great vigor, and that, for me, is inspiring. I've been following Gen Z - I'm not part of it - but it's amazing to see how things have changed. How there are travestis dating, with relationships on the internet, etc., I never saw myself in this place at their age. And all the while, we're still fighting, screaming, and saying, "That's it, babe. You'll accept us. You'll swallow us. There are men with pussy and there are women with dick. Accept it if you like it or not."

I don't want to be. I'm not trying to be. I'm not pretending to be. I am, period. I am, as Beyoncé said.
Brazilian trans woman posing The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)
Nyara Wassa for The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)

BONI
What does family and community mean, and if these two concepts have changed since you started to identify as a travesti?

NYARA WASSA

In my neighborhood, I was always that child who didn't interact with others. I would go somewhere and just come back. I didn't have much contact with the people in my neighborhood. And when I did, I suffered from trauma because I was different. I didn't act like the boys said I had to act. So I grew up as an unknown to people in my neighborhood. I left home at 18 to live my life. I started my transition process and came back - I live here again now - and it's another moment. I'm an attraction on the street. I go out, and people want to see me. They want to see what clothes I'm going to wear next, what hair I have. I feel like a celebrity without being one. Many girls feel this, too, because we are extremely targeted and observed.

This community here made me understand that regardless of what I do to myself, nothing is going to change people's opinions of me. The less I want to change people's opinions, the more I am me. People in my neighborhood don't know what I do for work. For them, I work in prostitution. Not that there is any problem with that, but I don't want to change their opinion about it. If you think so, I'm glad you think so.

With my family, it was a process of recovery. I had to fight for that relationship. When I realized that I was a travesti and told my family, my mother first said that I would kill my father with that information. My brother was super nervous because of his masculinity - which has nothing to do with me - but he was nervous because he didn't want to be insulted or associated with me.

I had to demand respect and show that I was still, though not exactly the same, the sister and the daughter. I became a monster in my house. Someone they didn't know, very different from what I once was. I had to show people that I still had an education, that I was still the same person, that I wasn't promiscuous, etc. Today I’m treated the way I should be treated by my brother, my mother, some people in my neighborhood, and my friends.

Thank God, I have become more and more comfortable with my relationships because of my battles. I fought for it. It wasn't easy. People didn't come and say they would understand me. I lost several friends. I lost several relationships. I lost several boyfriends. I lost several girlfriends. Because when you don't live up to the expectations of others, people get frustrated with you. In my relationships, I discover more and more that I can be who I am, and these people understand that. I don't want to be. I'm not trying to be. I'm not pretending to be. I am, period. I am, as Beyoncé said.

BONI

It's amazing how we really become another person for others, and we are actually just getting prettier...

NYARA WASSA

Prettier, sweeter, hotter...

Brazilian trans woman posing The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)
Nyara Wassa for The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)

BONI

More centered, more down to earth. You've already said a little bit, but how do you see yourself in relation to culture and art? In terms of production? In terms of what you consume?

NYARA WASSA

I've always seen myself as an artist. I've always been the one that would talk, act, take it, and show it. In my adolescence, it was like going back to the cocoon and saying: “Calm down, I don't know if I can do that much.” I always wanted to be a singer and performer and told my mother I wanted to work with image, video, and sound. When I was 13, I started to study graphic design and computing. I entered this critical and artistic mindset and started building myself as a digital artist.

I always wanted to be ready, beautiful, and perfect. I'm running away from that perfection now.

I am a travesti, Afro-indigenous, Carioca, and decentralized woman who works with art. That makes my worldview important and makes my work even richer, be it music, digital or visual arts. I'm also trying to be more relaxed so I can be a digital influencer and show my way of being.

Art saved me. Most of the travestis I met came from art. Art freed me. Art brought me people who saw the world the way I do. Because in my neighborhood, I was the only artist who drew from an early age. People said, “Why don’t you work with that? You should be an artist.” I sang, and people said I should be an artist. So I was a person who had the potential for that, but I stayed there, decentralized.

We see Rio de Janeiro as the center of Rio, and those not part of centralized events do not have the same access as others. When I started to understand this place of networking, I began to understand these relationships with people. As an artist, you have to be a professional. I'm my own PR and an entrepreneur who works with people from a strategic point of view. I came from a small neighborhood which, in my mind, made everyone my friend. Then I understood that there are people with whom you only have a professional relationship. There are people with whom you have personal relationships. Each relationship takes me to a place, a worldview. Most of them take me to an artistic place. To the place of music production, video production, styling, and many other places within art.

BONI
There's no way this isn't the way. I put a lot of faith in that sentiment.

What do you think is the biggest difference between expressing yourself online and in real life, and is there anything in common between these two universes?

NYARA WASSA
When expressing myself in real life, I'm whole. I'm not afraid to speak, act, and do the things I love. When it comes to onlines, I start watching my videos more than twice, and then I don't want to watch it anymore. I start to find a problem here and there. The facial expressions that I didn't do there. Something that I didn't do here. It's a judgment that I've been trying to stop. I used to use a lot of filters, and I changed my hair a lot. I had a lot of questions about having my natural hair because I always showed up to jobs with my hair done. I always wanted to be ready, beautiful, and perfect. I'm running away from that perfection now.

Brazilian travestis are badass, and we do a lot with little.

I read a text recently that had to do with Bob Marley. He was asked who the perfect woman was and replied that nothing is perfect. The sea is beautiful, but it is very salty, very dark, and very deep; the moon is beautiful, but it is full of craters. Nothing perfect in the world is perfect in itself. I started to understand that I don't need to be perfect. I don't need to be or look cisgender, and this has freed me up. My content and photos have been more me. I'm rescuing the Wassa that is there on a daily basis, bringing it to digital and trying not to judge. I'll leave that to people. It's going to happen, so I don't want to judge myself anymore.

The difference and connection between these two things is that we want to be good to ourselves and not be compared to someone else.

Brazilian trans woman posing The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)
Nyara Wassa for The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)

BONI
What would you like people outside Brazil to know about anything, about the community, about you?

NYARA WASSA
First, that Brazilian travestis are badass and we do a lot with little. And I also want them to know that I'm a singer. I have an album to be released. That there are Brazilian travestis producing and expressing different realities. Because there is the reality of the bourgeoisie in the South Zone and the reality of the travestis in the Complexo da Maré. Which reality do you want to consume? That’s your choice.

And I also want people to know that we don't want a gringo to be happy. We want ourselves to be happy at work, in the arts, and with our family. We want people to consume our reality and try to understand and have a more affectionate look, not a lacking one. We are producing with what we have, and what we do is really cool. If you’re going to add to it, that’s great, but if not, admire what we're doing. We’ll keep doing it with or without sponsorship, with help, without views, with views because we need it to live.

BONI
I would really like you to pass on all the info about your single: when are you going to release the songs?

NYARA WASSA
I’ll release my first single at the end of April or the beginning of May. Between the 30th and the 5th, because with Spotify, it has a maturation time. It's called “Black Blues”, cause I'm in love with the blues. After 15 days of my first release, I’ll release my second single, which is called “Posso Ser” which talks about the possibilities of being. The third single is “Horas e Horas” where I talk about the relationship between a travesti woman and a travequeiro. The fourth single is called “Fatalmente”, in which I talk about our complex power relationship with some cisgender men, as if they were doing us a favor. And my last song, it talks about my transition, about me. It's called “Radiante." It has a really nice afro beat.

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By the way, Kai is wonderful. I speak little English, but we used Google Translate, and the conversation happened. That's what I thought was so cool. I told her that I was in Lapa and to join me for a drink, “Come on, do you want to know Rio? If you want to get to know Rio, you will see at least a few sisters here from the north zone, the west zone, a black girl, an indigenous sister.”

She arrived and everyone loved her. We all talked, some spoke English and there were things she understood and was like, “Passada!” When she said this, they all laughed. She captivated everyone. I loved meeting her because we think that other people from other places don't have that swing, that feeling of curiosity and appreciation. Just talking and getting to know each other.

If a friendship has to happen, it will happen. I felt that a lot in her.

Brazilian trans woman posing The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)
Nyara Wassa for The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira)

I felt that within her personality. She saw that Brazil is a connection. I think she understood herself in this place, that we are real, that we are making things happen.

Mona, came from I don't know where. I'm with her in Lapa, full of crackheads, rich people, poor people, and dogs. And when I saw that she was feeling comfortable, we threw Summer Walker on the stereo, and she sang with us. I was like “Fuck, that's it!”. The connection is real. It can exist. That for me, was really cool. An addendum that I needed to tell Boni. If you were here, it would be even more beautiful.

And I felt honored when I met her and was invited to this project. I thought it was amazing to see the dolls all perfect in the photos. When the day of the photoshoot arrived, I was in doubt. Do I go ready? Do I go more chill? Do I go Brazilian? How should I go? In the end, I decided I was going to feel it on the day. I felt that I should go natural with my Black natural hair. Then when I got there, everyone had Black locs, all natural locks. I thought this was very beautiful because we chose to show who we are. We can be the glamor of lace-front wing, but we are also the natural afro, the straightened hair, etc.

That was what I most noticed within our relationship and that each travestis had a place. One was a comedian and actress, the other a hairdresser, the other a visual artist, the other a producer, each one had a personality, a way of expressing themselves, and it worked. They all felt beautiful and safe. It was everything!

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