Gabe: "A gente acaba vendo que são muitas realidades diferentes." // "We end up seeing that there are many different realities."

Gabe: "A gente acaba vendo que são muitas realidades diferentes." // "We end up seeing that there are many different realities."
Gabe para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira) 

BONI
Por favor, me fale seu nome, sua idade e com o que você trabalha.

GABE
Oi, eu sou a Gabe Tatsuya Ito, tenho 24 anos. Atualmente, eu sou formada em design de moda, me formei no ano passado. O meu trabalho hoje em dia é só de modelo por enquanto, sou modelo vai fazer uns cinco anos.

Eu nasci no Japão, na real sou estrangeira, só que vim para cá para o Brasil, eu tinha uns quatro meses de idade mais ou menos. Vim morar direto em Campo Grande, Rio de Janeiro, Zona Ouro, adoro. Eu cresci aqui desde então, sou uma pessoa apaixonada por arte, eu não vivo sem, de todas as formas possíveis.

A gente quer ter nosso espaço, e só faz isso conseguindo um emprego, conseguindo ganhar nosso dindin, pagando nosso aluguel.

BONI
Tudo! O que significa ser trans para você no Brasil, qual sua relação com isso?

GABE
Eu me identifico mais com uma pessoa não binária, mas na questão da aparência em si me sinto mais confortável com o feminino. Eu acredito que aqui no Brasil, a gente tem muita coisa para caminhar, para percorrer sobre essas questões, porque, por exemplo, o panorama que eu tenho é que a gente agora está começando a caminhar mais para a questão de deixar de apenas falar para botar em prática. A gente era chamada para ter a nossa voz ouvida, mas eu acho que hoje em dia, não é só mais a voz ouvida que funciona, tem que, por exemplo, empregar essa galera. A gente quer ter nosso espaço, e só faz isso conseguindo um emprego, conseguindo ganhar nosso dindin, pagando nosso aluguel.

BONI
E está acontecendo mesmo, as gatas trans no governo, na política, as coisas estão super vindo. Aí uma questão sobre família e comunidade, o que significa para você e se esse significado mudou desde que você começou a se identificar com uma pessoa não binária.

Gabe para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira) 

GABE
Então, a família e a comunidade, eu acho que andam muito juntos, porque tem esse conceito de família que é quem ama, quem cuida de você, quem está lá sempre te apoiando, e não só atrelada ao sangue. Até porque a gente vê que nem todas têm o privilégio de ter a aceitação da família, então recorrem a outras da nossa comunidade que vão fazer esse papel para nós.

Em relação a minha não binaridade, eu tenho o privilégio de ser aceita pela minha família, no caso quem mora comigo que é a minha mãe e meu irmão. Mas também considero minha família, as minhas amigas, que também apoiam os meus sonhos. No geral eu acho que o mais importante mesmo é essa questão do amor.

Ah mudou super, justamente conforme fui me descobrindo dentro da comunidade porque a gente acaba vendo que são muitas realidades diferentes. Não é só minha bolha que eu enxergo ali.

Só que cem por cento da cultura e da arte vem da sua origem e trajetória, porque qualquer lugar por onde a gente passa deixamos uma história para trás e arte é nada mais que isso: contar uma história

BONI
Como você se vê em relação à arte e cultura no Brasil?

GABE
Eu acredito que há uma parte ainda muito marginalizada da arte e cultura aqui. É muito a gente pela gente, porque tem uma galera que não tem condições de produzir sem financiamento. Nós vemos que a pessoa tem uma arte incrível, faz um trabalho incrível, só que nesse mundo da arte é muito seletiva, porque muitos acreditam que tem umas produções que não podem ser consideradas arte, dependendo do lugar onde ela está estabelecida, de onde ela vem, quem ela é.

Só que cem por cento da cultura e da arte vem da sua origem e trajetória, porque qualquer lugar por onde a gente passa deixamos uma história para trás e arte é nada mais que isso: contar uma história, seja qual for e a pessoa interpretar da maneira que ela quiser. Mas apesar das dificuldades, acredito que, cada vez mais, a gente está ganhando visibilidade. Eu agradeço muito às redes sociais que dão um campo de visão maior para as pessoas enxergarem outras realidades.

Gabe para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira) 

BONI
Qual você acha que é a maior diferença entre se expressar e ser quem você é online, e na vida real, e o que teria de parecido entre esses dois universos que a gente sempre vive?

O Brasil tem muitas nuances, mas acho que o principal é que queria que os gringos soubessem que nós brasileiros somos muito expressivos, animados e até impulsivos, mas não nos resumimos a isso

GABE
Bom, se expressar online tem muito de mostrar exatamente o que a gente quer transparecer para as pessoas, já na vida real nem tanto, pois o contato físico revela trejeitos e comportamentos específicos que o digital muitas vezes não captura. E o impacto do ao vivo é bem diferente do online, por exemplo, eu gosto muito de assistir dança, sou apaixonada, e é outra coisa se expressar com o corpo num vídeo e no ao vivo. Mas online tem a questão de ser mais fácil expressar sua identidade, o que você defende politicamente, etc.

BONI
O que você gostaria que pessoas de fora do Brasil soubessem sobre o Brasil, e também sobre a comunidade trans, sobre como é viver aqui?

Gabe para The Girls Book edição 02 (fotografia de Rodrigo Oliveira) 

GABE
O Brasil tem muitas nuances, mas acho que o principal é que queria que os gringos soubessem que nós brasileiros somos muito expressivos, animados e até impulsivos, mas não nos resumimos a isso. A galera vem para cá também e acha que nós trans somos muito agressivas, mas talvez seja só a forma que aprendemos a viver o dia a dia, a nos defender das violências daqui, já que o Brasil é o país que mais mata pessoas da comunidade trans. Não é possível generalizar, tem que vir para cá aberto a conhecer as diferentes personalidades daqui.



ENGLISH TRANSLATION BELOW

BONI
Please state your name, age, and occupation.

GABE
Hi. I’m Gabe Tatsuya Ito, and I’m 24 years old. I currently have a degree in fashion design, and I graduated last year. My job nowadays is just modeling. I've been a model for about five years.

I was born in Japan. I'm a foreigner, but I came here to Brazil when I was about four months old. I came to live in Campo Grande, Rio de Janeiro, Zona Ouro. I love it. I've grown up here since then. I'm passionate about art and can't live without it in every possible way.

You have to employ trans people. We want to have our space, and we only do that by getting a job, earning our money, and paying our rent.

BONI
Amazing! What does it mean to be trans in Brazil, and what’s your relation to it?

GABE
I identify myself as a non-binary person, but in appearance itself, I feel more comfortable with the feminine. I believe that here in Brazil, we have a long way to go regarding trans issues because, for example, my panorama is that we are now starting to walk towards not just talking about resolutions but putting it into practice. We were always called to have our voices heard, but I think that nowadays, it's not just being heard that works anymore. You have to employ trans people. We want to have our space, and we only do that by getting a job, earning our money, and paying our rent.

Gabe for The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira) 

BONI
And it’s truly happening. The gals are in the government, doing politics, so things are moving along. Now a question about family and community, what does it mean to you, and has that meaning changed since you started identifying as a non-binary person?

Wherever we go, we leave a story behind, and art is nothing more than that: telling a story.

GABE
So, family and community, I think they go together a lot. There is this concept of the family that isn't blood-related but who loves you, takes care of you, and always supports you. We see that not everyone has the privilege of being accepted by their family, so they turn to others in our community who will play this role for them.

Regarding my non-binary identity, I have the privilege of being accepted by my family, like my mother and brother, who live with me. But I also consider my family to be my friends who also support my dreams. But overall. I think the most important thing is this issue of love.

And yeah, it changed a lot, precisely as I discovered myself within the community. We end up seeing that there are many different realities. It's not just my bubble that I see there.

Gabe for The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira) 

BONI
How do you see yourself in relation to arts and culture in Brazil?

GABE
I believe there is still a marginalized part of art and culture here. It's all about us for ourselves because some people cannot produce without funding. We see that people have incredible art, and they do incredible work. But in this world of art, they are very selective. Many believe that there are productions that cannot be considered art, depending on where it is established, where it comes from, and who they are.

But one hundred percent of culture and art comes from the artist’s origin and trajectory. Wherever we go, we leave a story behind, and art is nothing more than that: telling a story. But despite the difficulties, I believe that more and more, we are gaining visibility. I am very grateful for social media, which gives people a wider vision to see other realities.

It is not possible to generalize. You have to come here open to getting to know the different personalities living here.

BONI
What do you think is the biggest difference between expressing yourself and being who you are online and in real life, and what would be similar between these two universes that we always live in?

GABE
Well, expressing yourself online has much to do with showing exactly what we want to convey to people. In real life, not so much, as physical contact reveals specific mannerisms and behaviors that digital often does not capture. And the impact of real-life moments is very different from online. I like watching dancers. I'm passionate about it. It's something else to express yourself with your body in a video than live. But online, there is the issue of it being easier to express your identity, what you stand for politically, etc.

BONI
What would you like people outside Brazil to know about Brazil, and also about the trans community, about what it's like to live here?

Gabe for The Girls Book issue 02 (photography by Rodrigo Oliveira) 

GABE
Brazil has many nuances, but I think the main thing I want foreigners to know is that we Brazilians are very expressive, lively, and even impulsive, but that's not all we are. People also come here and think that trans people are very aggressive. But maybe that's just how we learned to live daily, to defend ourselves against the violence here. Brazil is the country that kills the most trans people in the whole world. It is not possible to generalize. You have to come here open to getting to know the different personalities living here.

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